Duas opções.
Mais um texto sem sentido e sanguinolento que ninguém é obrigado a ler pelo-amor-de-Deus. Ou o início dum capítulo de uma história qualquer que vai terminar incompleto. É provável que eu tenha escolhido a primeira opção. Mas vou parar com isso. É a última vez, eu juro.
Cada vez que eu digo algo sem sentido um machucado se abre nas minhas costas. Ou nos meus braços. Ou na minha perna. Cada hora que eu deixo de dormir é uma lei que eu deixo de decorar. Então é sangue espalhado por toda parte de novo. Desta vez ele veio do meu estômago.
Começa com um Paso Doble.
A música espanhola irascível atropela a minha consciência. Os tristes touros irrompem pela arena que é meu estômago. É um espetáculo fatal e doentio que atrai o mesmo tipo de turba que a luta entre gladiadores. Ou as execuções públicas de criminosos. Eles têm orgulho, os touros, e mais nada. Ele tem todo o resto, o toureiro, e também olhos de ninja. Ao mesmo tempo em que os mata, ele é envenenado por eles. Poison. Na plateia, eu vejo o Jack Kerouac e ele acena pra mim. Mas eu não o conheço. Conheço apenas o toureiro.
OLÉ, OLÉ! MAHALO! DOMO ARIGATO!
Eu caio – como não podia ser diferente – sangrando. Ele me acertou, por mais que isso seja um clichê. Ele é o clichê, o toureiro-ninja. Suas estacas coloridas com ponta de arpão ferem meu pescoço sem me matar. Tenho forças para segurar suas mãos e adorá-lo. Choro. Suas mãos tocam meu sangue e então ele dança agitando a capa amarela e cor-de-rosa, sua taleguilla negra se move com a paixão de seus quadris e suas pernas, seu peito é branco e pétreo, contrastando com meu sangue. Logo eu não tenho mais sangue. Agora eu o enveneno. Em minhas veias correm fluidos venenosos, assim como todos os líquidos do meu corpo. Subo meus dedos peçonhentos pelos músculos de suas costas. Grito porque quero gritar. Ele quer gritar. OLÉ! Mahalo nui loa. Arigato gozaimasu.
Sussurramos.
Somos observados pelos touros mortos.
O silêncio da morte invade nossos corpos e nos dá sono.
Dormimos. Sobre as carcaças dos nossos próprios corpos envenenados, exangues.
Ele fala comigo enquanto dorme, pelas pontas de seus dedos que – como não podia ser diferente – dançam. Pede para que eu não me deixe intoxicar pelo veneno na minha própria língua. Ignoro. Sua dança, suas estacas e sua capa colorida ainda poluem meus neurônios. Tudo está falho na minha cabeça. Como uma sequência de curtos piques de energias, ou uma tevê que ameaça perder o sinal. Foi o veneno? Foram os golpes? Foi a dança? Não arrisco quebrar o silêncio para pensar.
Ele começa a pingar sobre mim, é pó de cianeto diluído em alguma bebida forte e perfumada, cala meu corpo com uma fruição revestida de sombras.
É tarde...
Sussurra.
...demais.
Você perdeu...
Diz.
...eu ganhei.
Viva de novo.
E volte de novo para a minha arena.
Você está morta.
Mas está feliz.
Porque eu danço.
Poisonpasodoble.
http://eu-alada.blogspot.com.br/2012/09/poisonpasodoble.html