Vou colocar aqui nesse tópico algumas partes das histórias que já aconteceram na Corte.
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Essa primeira parte mostra em diversos posts o encontro do personagem Santiago (das crônicas) e da personagem Julia. Julia era uma menina de 22 anos sensível e delicada, calma, corajosa quando necessário e um pouco inocente demais. Seus olhos eram castanhos, os cabelos vermelhos e a face branca porém corada. Seu rosto tem traços finos e suaves, é magra, dona de um corpo pequeno e de formas delicadas, com sua cintura fina e seu quadril bem desenhado. Uma garota solitária que morava em Paris e apenas estava começando a descobrir o mundo vampiresco.
A história se passa no início de 2005, poucos meses depois de Julia ter descoberto a existência de vampiros ao conhecer o vampiro Mael (das crônicas).
Da série: Só novamente...
(Autora: Tha - Março de 2007)
01 de janeiro de 2005
Um ano novo e Julia estava em 'casa', uma espécie de kitinete, sozinha novamente. Relia um de seus livros favoritos: O Ladrão de Corpos. Adorava David Talbot e não se conformava com seu destino 'cruel'. O final desse livro era uma das razões pela qual o vampiro Lestat não era seu 'personagem' favorito.
Personagem com aspas, sim, afinal Julia sabia que não era apenas ficção. Era uma das coisas que a fazia sentir-se especial. Ela sabia algo que poucos mortais sabiam. Vampiros existem. Apesar que a maioria dos mortais que ela conhecia já sabia disso também...
Fechou o livro e se levantou. O sol estava se pondo e logo começaria a escurecer, mas ela resolveu dar uma volta. Pegou um casaco vermelho cereja bem grosso que tinha e colocou sobre a blusa de cashmere preta que havia ganhado de sua avó.
Desceu a escadinha apertada que a levava até a rua e pôs-se a caminhar. As luzes da cidade estavam começando a se acender. Sorriu. Ela gostava de ver anoitecer em Paris.
Seu apartamentinho ficava de certa maneira próximo ao centro velho. Foi realmente muita sorte arranjar aquele lugar pra morar... Era um apartamento muito ruim na verdade, escuro e velho, mas gostava dele. Da sua janela podia ver a Torre Eiffel ao longe, e era fácil pegar um taxi ou um metrô e estar no centro minutos depois.
Foi caminhando até o metrô.
...
Santiago estava parado em frente ao antigo Teatro dos Vampiros, hoje um teatrinho qualquer.
Usava roupas atuais extremamente elegantes. Terno preto completo, porém sem gravata sobre a camisa branca, e um sobretudo preto. A neve caía-lhe sobre os cabelos molhando-os, mas ele não parecia se importar.
Juntaria mais dinheiro. Não as migalhas que aprendeu a roubar de suas vítimas mortais, mas muito dinheiro. E compraria aquele lugar! Sim! Mas precisava encontrar outros vampiros, fazer outros vampiros, fracos e submissos. E dessa vez Ele seria o líder!
...
Julia caminhava fazia algum tempo pelo centro antigo de Paris. Não havia nada mais agradável para ela do que o centro de Paris durante o começo da noite! Passava pelos teatros, sonhando em um dia poder entrar e assistir a alguma peça...
Esfriava cada vez mais, por sorte seu casaco vermelho cereja era um dos mais quentes que tinha. Puxou o capuz para proteger-se mais do vento. Ela olhou para os lados em busca de um café, onde pudesse tomar um chocolate quente antes de voltar para casa.
Em vez disso, estancou no momento que começava a nevar. Ele estava parado a alguns metros de Julia, mas ela podia reconhecê-lo. Já o havia visto duas vezes, porém nunca haviam se falado.
Ficou imóvel ali, com medo, mas sem forças para se mover. O que havia naquele ser que a seduzia tanto?
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O vampiro sentiu que estava sendo observado por uma mortal. Normalmente não daria a mínima importância, mas ele já havia visto essa mortal, duas vezes. Riu. A reação dela era sempre a mesma! Pela terceira vez ficava catatônica ao vê-lo.
Olhou para ela com aquele mesmo olhar que Louis vira nele pela primeira vez. Em poucos segundos estava à frente da menina, inclinando a cabeça para o lado.
De repente ele estava parado na sua frente. Ele estava tão perto que ela podia ouvir sua respiração. Um arrepio subiu pela espinha de Julia. Estou sem meu amuleto! Ao mesmo tempo que pensava isso, pô a mão em seu peito, no local aonde estaria o amuleto.
Então, deu um passo para trás.
Santiago ouviu cada uma das palavras que a mortal Julia pensou. E quando ela deu um pequeno passo para trás, era como se ele já o tivesse dado, pois eles mantinham a mesma distância de antes.
O vampiro continuou na mesma posição por alguns segundos, inclusive com a cabeça levemente inclinada, então jogou-a para trás e soltou uma suave e lenta risada.
...
Mal terminava de dar o passo para trás e ele continuava na sua frente. Exatamente como antes! Julia continuava olhando para ele sem dizer nada. Seu narizinho já estava muito vermelho com o frio, pois seu rosto era a única parte descoberta de seu corpo.
Seu corpo estremeceu ao ouvir aquela risada fria e mais uma vez ao fitar novamente os olhos penetrantes. Sua mão mantinha-se no peito como se agora lhe fosse impossível mover-se novamente.
- Santiago! - o sussurro escapou-lhe dos lábios como se quisesse sair há muito tempo.
Santiago sorriu seu falso sorriso ao som de seu nome. Recuou um pouco, pegou a mão de Julia e fez uma lenta reverência, beijando-lhe a mão suavemente. Sentia o cheiro doce do sangue encher seu corpo de maneira tão forte que era quase como se estivesse embriagado.
Ainda segurando a mão da menina (apesar da idade, não aparentava ser mais que isso) levantou sua cabeça e disse num sussurro ainda mais baixo, quase inaudível:
- Julia...
Aquilo parecia um sonho (ou pesadelo??)... Ela acompanhava os gestos dele, mas parecia paralizada de terror, ou algum outro sentimento que ela não podia identificar. Seria deslumbramento?
Quando Santiago pegou sua mão, a sensação do toque de seus dedos, e logo após de seus lábios frios, fez com que seu coração começasse a bater descompassado. Seu rosto estava corado, ela estava completamente ofegante e ar gelado cortava-lhe por dentro a cada respiração forçada.
Ele disse seu nome. Lia sua mente provavelmente com clareza. Por isso riu quando pensei em meu amuleto! Mas os pensamentos iam e vinham da mente de Julia como foguetes.
Seus olhos permaneciam colados aos dele e em sua expressão não mais poderia ser visto o medo qua a assolara a pouco. Ela continuava imóvel apenas observando-o. Sua mente era um turbilhão de pensamentos para os quais Santiago não deu muita importância. Ele endireitou seu corpo novamente sem tirar os solhos dela.
Julia agora parecia diferente. Seu olhar era extremamente penetrante e parecia mais segura do que antes. Não parecia a menina de há pouco...
- O que pensa que irá acontecer agora? - a voz dele era suave porém seca e seu olhar era enganadoramente doce.
Os dois se olhavam intensamente nos olhos um do outro quando Santiago falou com ela. A força brotava nela como uma mina da água mais profunda.
- Não sei. Provavelmente morrerei de pneumonia... - sorriu.
As palavras de Julia soavam fortes, surpreendendo ela mesma.
- Ao contrário do que parece, não estou te perseguindo. Acho que você já sabe disso - disse a garota.
Ela tremia. Não de medo, mas de frio. Sua roupa já estava encharcada com a neve, assim como a dele.
Santiago parecia sequer ter ouvido a resposta de Julia, apenas aproximou-se lentamente ainda mais. Passou sua mão pela cintura dela e, segurando-a com firmeza, a levantou do chão com extrema facilidade.
Então, começou a correr com Julia preza em um de seus braços. O coração de Julia disparou novamente.
- Ande está me levando? - a voz dela estava calma.
Não houve resposta e sua pergunta parecia ter ficado para trás. Enquanto ele corria, ela escondeu seu rosto no ombro dele para se proteger do vento. Julia não estava desesperada. Era estranho, estava preocupada, mas não tinha medo de verdade.
...
Em pouco tempo estavam ali, em frente à janela de Julia. Com apenas um olhar que ele lhe direcionou, Julia entendeu e ambos seguiram para dentro do pequeno apartamento.
Santiago tirou o sobretudo colocando-o no encosto da cadeira mais próxima enquanto olhava ao redor com um expressão de desdén.
Estavam em casa agora. Julia não compreendia quais eram as intenções do vampiro e sabia que deveria temer o pior. Conhecia a fama de Santiago através dos livros e desprezava o que ele fizera com a pequena Cláudia. Porém, continuava sem conseguir tirar os olhos dele.
Santiago não escondeu o desprezo que sentia por aquele pequeno apartamento, mas Julia não se incomodou. Deixou o casaco molhado no banheiro e voltou com duas toalhas.
Era estranho como ela começava a reagir com tanta naturalidade. Estendeu uma das toalhas para ele e pôs-se a secar seus cabelos com a outra. Mantinha-se em silêncio, esperando o que o vampiro iria dizer. Afinal ele terá que dizer alguma coisa!
Santiago pegou a toalha que Julia lhe entregava, mas não a usou. Apenas observou enquanto Julia secava seus cabelos. Ele estava encharcado, mas não se importava. O cheiro daquele quarto o incomodava um pouco.
Depois de algum tempo em silêncio, durante o qual os dois se olhavam fixamente, Santiago se aproximou de Julia usando o seu olhar mais sedutor.
Já podia sentir o gosto doce em seus lábios...
Conforme Santiago se aproximava lentamente olhando nos seus olhos, Julia com relutância foi se dando conta do que iria acontecer. Ele iria mordê-la. Ela iria morrer, alí, na sua própria casa. Sozinha, como sempre...
Julia começou a recuar, em vão, pois Santiago continuava avançando. O coração dela estava disparado, seus olhos pregados aos dele. Uma parte de si cedendo à eles, à tentação de deixar-se levar pelo demônio, de deixar que tudo acabasse logo. Mas ela era tão nova... Não estava certo, não podia acabar assim!
- Santiagor, por favor...
Ela não sabia o que dizer. Sentia-se em um estranho estado de torpor. Ela tentava lutar contra aquela sensação que lhe tomava o corpo, mas era quase impossível. Suas pernas fraquejavam, seu raciocínio lhe faltava... Aqueles olhos... Venha, acabe logo com isso... Mas eu não quero morrer... Não... Por favor...
Ela já estava com as costas coladas à parede e sua mente mais uma vez estava incompreensível. Suas palavras fizeram Santiago sorrir apenas. Ele continuou avançando em sua direção, saboreando seu desespero, sua fraqueza.
Julia parecia prestes a desfalecer em seus braços (já estavam muito próximos agora) e ele a segurou firme pela cintura com uma mão enquanto inclinava a cabeça dela com a outra. Ele respirou fundo, absorvendo cada momento, cada sensação.
Parecia que tudo acontecia em câmera lenta. Seus dentes perfuraram a carne macia e sedosa de Julia e o sangue começou a fluir para dentro de sua boca com uma graça inusitada.
Imagens de uma infância permeada entre alegria e solidão invadiam a mente de Santiago, misturadas às suas próprias lembranças. Lembranças de Cláudia, do som de seus gritos quando o sol nasceu naquela madrugada. E então, ambas eram uma só. Cheias de inocência, ainda que tenham tentado tirá-la com tanta força delas. A inocência de Cláudia em poder seguir em paz durante os séculos e a inocência de Julia em querer ter uma vida longa e completa...
Mas Julia não iria morrer. Apenas seu corpo.
...
Imagens confusas, misturadas e entrelaçadas, algumas enviadas por ela mesma, outras não. Imagens de uma menina de cabelos cacheados, sendo arrastada por corredores escuros. O som de seus gritos enlouquecidos...
Julia queria tapar os ouvidos, mas sabia que isso não adiantaria. Aquelas cenas a machucavam, a corroíam por dentro. Ela queria morrer, aquilo era terrível demais. E Santiago continuava a beber lentamente, por quê?
Então uma parte de Julia entendeu, um pedacinho dela que ainda estava consciente. Ele não queria matá-la. Não. Ele iria transformá-la! Mas isso ela não poderia deixar acontecer...
Santiago sentiu-a fraquejar mais. Ela já não lutava mais, estava desistindo voluntariamente. Julia preferia morrer!
Não!
Confuso, deitou-a no chão e rasgou seu pulso, forçando-o contra os lábios dela. Ela tentou virar a cabeça, negar o sangue, mas ele era forte demais para ela.
Quando o sangue tocou seus lábios, ela não pode mais resistir. Inconscientemente puxou o braço de Santiago para si, sugando e sugando. Ele sorriu, e em seguida pôs-se a rir. E quanto mais Julia sugava, mais Santiago ria.
Ele enfraquecia na mesma proporção que ela ganhava mais e mais força. Ele retirou seu pulso bruscamente de sua boca e ficaram ali, sentados de frente um para o outro, imóveis, enquanto recobravam a consciência do mundo à sua volta.
...
O pulso havia sido retirado à força de sua boca. Ela não compreendia o que estava acontecendo. Lembrava de querer morrer, e então de risos, risos que se tornavam cada vez mais altos e límpidos.
As coisas começavam a tomar forma à sua volta. Santiago estava sentado no chão olhando para ela. Como ele é lindo... Sua pele branca, quase reluzente, seu cabelo negro e incrivelmente brilhante. Seus olhos... Poderia ficar para sempre olhando seus olhos.
Ele se moveu. O movimento mais gracioso que algum ser poderia fazer. Julia acompanhava atenta seus movimentos. Tudo estava mais claro, mais definido. Era como se um véu leitoso houvesse sido retirado de seus olhos. As cores, os sons, era tudo belo demais para ser verdade.
Então, veio a dor. Uma dor horrível, insuportável... Era um truque! Ela não sobreviveu, estava morrendo afinal. O mundo escurecia novamente. Deus havia dado a ela um vislumbre do paraíso antes de atirá-la ao inferno!
Julia se contorcia de dor enquanto Santiago observava-a.
- Seu corpo está morrendo - disse ele.
Um cheiro horrível dominou o pequeno cômodo. Santiago se levantou e pegou a toalha que Julia antes lhe dera e atirou-a ao chão ao lado da pequena.
- Limpe-se.
Ela era agora uma imortal. Seu corpo tremia de horror. Olhava para suas mãos desesperada. E quando ouviu Santiago lhe falar, olhou-o com o mais puro ódio.
Ela não se importava com mais nada. Odiava-o e isso era tudo. Pulou com as mãos estendidas em forma de garras para cima do vampiro.
- O que você fez???
Ele segurou seus punhos com facilidade e começou a rir. E aquele riso cortava seus ouvidos. Julia esperneava enlouquecida e gritava tanto que suas palavras eram indecifráveis.
Santiago já não ria mais e nem a segurava. Julia percebeu encontrar-se de repente jogada ao chão novamente, e sobre ela jazia a toalha e uma muda de roupa limpa.
Estava encostada contra a porta do banheiro, onde entrou e se limpou. Vestiu a roupa. Uma saia de lã cinza chumbo, uma blusa preta de lã muito justa e decotada. Saiu do banheiro e calçou um par de sapatos pretos e pegou um casaco de veludo bordô e dirigiu-se para a saída sem olhar para Santiago.
Santiago já não tinha mais paciência com aquelas ceninhas. Pegou Julia pelo braço e puxou-a contra si. O rosto dela estava banhado de sangue, ela estava chorando.
- Você irá me ajudar. Acha que eu já não tinha um plano para você? Que a transformei porque te achei bonitinha? - ela olhava-o sem entender - Vamos reabrir o Teatro dos Vampiros o mais rápido possível. E você irá reformá-lo para que fique exatamente como antes.
- Por que acha que eu faria isso? Te odeio, te desprezo! - Julia respondeu.
- Você está sentida, mas não me odeia, muito menos me despreza, chérrie. Você o fará.
Assim, Santiago partiu, sem deixar vestígios de sua passagem por aquele lugar a não ser uma nova cria...