Nasci do pecado, uma união proibida. Não tenho culpa disso... e até quando eu irei pagar por carregar o nome Mayfair?
Sempre considerei a vida bela. Não digo bela do sentido de bonita, e sim de feliz, maravilhosa, mesmo que eu tivesse passado boas dificuldades com minha família, uma vez que não tínhamos o devido conforto que talvez merecíamos. Morava com meus pais e meus irmãos adotivos, e éramos sustentados apenas pelo salário de professor que papai recebia. Era um sufoco, mas, superamos. Éramos felizes, acima disto, e nos amávamos muito.
Hora ou outra, minha avó, Lauren Mayfair, ia me visitar. Eis que um dia ela não decidiu apenas visitar, mas sim contar toda a historia de minha vida. A historia que nem em um milhão de anos, eu pensaria que pudesse existir.
Á resumo de tudo, eu era herdeira do Legado dos Mayfair. Uma bruxinha, que podia manipular os espíritos como eu quisesse e quando eu pudesse. Eu tinha o poder nas mãos e não sabia... Ou sabia.
Porém, não foi para isso que comecei a escrever esse pequeno conto de minha vida. Decidi que pegaria a parte que eu mais sofri nessa historia toda. A morte... é, a morte de quem eu considerava ser alguém muito especial. Especial até demais, atrevo a dizer. Um homem bom demais!
Então, sem embolação, começarei.
Assumir a responsabilidade de ser a herdeira não era fácil. Dias após dias, entrando e saindo de escritórios de advocacia. Fiquei tonta de tanto assinar papeis! Não sabia que era tão complicado receber o legado dos Mayfair. E sempre tão inocente como eu era, apenas com meus 16 anos, mal imaginava que era muito mais que dinheiro o que eu herdaria.
Inicialmente, minha avó disse que iria morar com meus tutores: Rowan Mayfair e Michael Curry. Para minha surpresa – já que eu imaginava um casal me esperando no carro – foi apenas um homem que vi, parado encostado na porta do carro. Olhei curiosa para dentro, esperando a tal Rowan que vovó havia me dito, mas não a encontrei. Era apenas aquele homem, que mais tarde vim a descobrir que era Michael, meu novo “pai”. – Olá, Helen. – sorriu para mim, abrindo a porta do carro para mim. – Acho que deve estar curiosa para saber quem sou, não é mesmo?
- É sim... é algum parente dos meus tutores? – disse com simplicidade, jogando minha mala (com algumas mudas de roupa) no banco traseiro. Sentei no banco do passageiro daquele carro, e me surpreendi com a maciez daquele estofamento. Era mais fofo que o colchão de todos os meus irmãos juntos, empilhados um encima do outro. Ele voltou a sentar no carro e ligou-o, exibindo um lindo sorriso.
- Sou seu tutor, Helen. Michael Curry... creio que já ouviu falar de mim, não é mesmo?
- AH! Desculpe-me por ter sido grosseira ao insinuar que o senhor era parente de meus tutores... e não meu próprio tutor. Estou ainda perdida...
- Não precisa se desculpar. É normal você estar um pouco desconcertada com a situação. Qualquer garota em seu lugar estaria assim. É muita responsabilidade para uma pessoa tão jovem.
É, ele tinha razão, e eu não sabia. Aquele foi meu primeiro contato com Michael, e creio que nunca vou esquecê-lo. Era um belo homem, as faces eram tristes e os olhos vazios. Assumiram certo brilho quando estávamos conversando, mas não dava para esconder o que pensava e nem o que havia passado.
Quando chegamos à mansão – que possuía uma fachada sinistra e terrivelmente silenciosa -, pude notar que ele estava sem jeito. Comecei a entender que quem deveria ter ido me buscar era Rowan, e não ele. Michael não sabia lidar com meninas da minha idade, esperava que a mulher pudesse saciar minha sede de saber tudo da minha família. Mas, como nem tudo o que esperava, acontecia, foi ele que teve o terrível dever de me explicar tin tin por tin tin sobre nossa historia. Toda ela. De Suzanne de Mayfair até Rowan. Falar sobre Lasher.
Lasher... devo dizer que foi a historia que mais me intrigou. Michael ficava visivelmente quieto ao lembrar de certas coisas, e não me agradava em nada vê-lo assim.
A mulher, a médica, estava conseguindo obter certa irritação de minha parte. Não deveria tratá-lo tão friamente... não um homem tão bom quanto ele. Passava-me tão bons sentimentos, que não cansava de vê-lo ou ouvi-lo. Foi assim que se sucedeu o primeiro dia de poucos que passaríamos juntos, mas devo dizer que serão inesquecíveis. Possuo uma péssima memória, mas coisas importantes como as de Michael, ficarão em mim para sempre.
Os dias seguintes foram agradáveis. Se lhes contar que não vi a minha tutora, vocês acreditarão? Se pernoitava em casa, chegava depois que eu estava dormindo e saía antes de eu acordar. Era difícil vê-la em casa, e eu, sinceramente, não possuía vontade de conhecê-la. Bastava-me Michael, só.
Porém, havia algo que me incomodava. Olhava para ele, às vezes, e via-o olhando fixamente para mim. Não é exatamente isso que me incomodou, ao contrário. Foi exatamente o nome de Mona Mayfair que matutava em sua cabeça. No sétimo dia que eu estava na casa, exatamente uma semana depois de minha vinda, tomei coragem e perguntei:
- Quem é Mona, Michael?
- Oh querida, longa historia a de Mona... uma doçura de pessoa. Trouxe-me a sanidade, quando era apenas um fantasma. Você se parece um pouco com ela, em alguns aspectos.
- Então é por isso que quando está a me olhar, eu vejo sempre o nome dela em sua mente?
- Exato. Você está saindo uma ótima Mayfair, com seus poderes... – foi o disse, depois de permitir que eu lesse em sua mente a verdadeira historia de Mona.
Um caso e um filho. Era isso que eles haviam tido, por isso ele tinha tanta afeição a ela. Uma forma de salvação quando tudo estava perdido, na época que Rowan havia fugido com Lasher.
Será que naquele momento, eu era a salvação de Michael, por Rowan tê-lo trocado pelas pesquisas?
Essa historia me agradava muito. Eu era uma adolescente, as sensações eram novas e sei lá porque, mas a ideia de ser uma nova Mona na vida de Michael era muito divertida. Os sentimentos estavam confusos, eu estava tonta, mas nada disso mudava o fato que minha cabeça, antes tão ingênua, começara a imaginar coisas que eu não sabia exatamente o que significava.
Passei a perceber que as coisas que eu sentia quando Michael estava perto de mim, variavam entre carinho e excitação. Era um homem muito atlético para a sua idade, e despertava em mim as sensações mais primitivas. Acredito que a partir do momento que decidi que iria seduzir Michael, foi que passei a ser uma digna Mayfair, levando-se em conta tudo o que ele havia me contado.
Era como se algo de sedutor já existisse em mim. As táticas visíveis para que ele cedesse à tentação de levar-me para a cama eram as mesmas: roupas, atos, palavras... tudo isso com um toque de infantilidade, como se eu não quisesse que isso acontecesse.
E eu não estava louca, não mesmo. Percebia o olhar dele quando eu estava de seu lado, quando tocava meu rosto e dizia, de modo sonhador:
- Você é uma linda Mayfair.
Eu precisava disso. Eu iria conseguir, como Mona conseguiu.
Rowan, sempre tão distante, naquele sábado decidiu sair do Centro Médico Mayfair. Conheceu-me, foi muito agradável no almoço, porém acabou voltando para suas pesquisas.
Apenas eu e Michael naquela casa imensa. Minha mente fervilhava, os espíritos da casa olhavam para mim, mas nada diziam. E nem tentei um segundo contato, estava mais interessada em Michael. Eu era muito teimosa, tudo o que eu queria conseguir, eu IRIA conseguir. Não aceitava um “não” como resposta.
O dia foi muito bom. Comemos, conversamos, e aquele clima entre nós dois estava crescendo. Lá pelas dez horas fomos dormir. Á meia-noite, começou um tremendo temporal, e me assustei com um raio que havia caído. As luzes se apagaram e estava tudo escuro. E eu, sempre odiei o escuro!
Lembro-me bem que eu estava com uma pequena camisola de verão. Transparente e devidamente curta. Não pensei duas vezes: comecei a caminhar sorrateiramente pelos corredores, em direção ao quarto de Michael. Estava acordado, uma vela acessa no criado mudo. Ele ergueu a cabeça, tirando os olhos do livro que lia, olhando então na minha direção. Suspirou e sorriu.
- Helen? Deveria estar dormindo...
- Me desculpe, Michael... mas eu tenho medo do escuro. Será que eu poderia... dormir por aqui esta noite?
Senti um nervosismo da parte dele quando respondeu que sim. Não vamos negar que nós dois estávamos querendo aquilo há muito tempo. Eu poderia dar a ele o que Rowan se negava a dar: amor, carinho e...
Ele se afastou um pouco na cama e deixou vago um lugar para mim. Deitei lentamente ao seu lado e abafei um sorriso, de forma enigmática. Minhas pernas ficaram visíveis, mas a luz da vela estava escassa, então meus planos não iam ser totalmente eficazes.
Só sei que adormeci por algum tempo e quando acordei, a luz tinha voltado. Olhei para o lado e lá estava Michael, sentado, possivelmente lendo.
Meu Deus, como que Rowan conseguia deixar sozinha uma pessoa como aquela? Tão boa, simpática, um verdadeiro guardião. Não resisti à tentação de chegar bem perto de seu rosto. Olhava-o fixamente, sorrindo, como uma idiota. Voltei a deitar, deixando bem visível - já que as luzes do abajur estavam acesas - minhas pernas. Apoiei a minha nuca com a palma das minhas duas mãos e fiquei ali, torturando um pouco meu tutor.
Devo ser breve ao contar que ele não resistiu muito, seu instinto de homem havia falado alto. E mais uma vez, como havia sido com Mona, Michael voltou a sentir-se vivo, tendo-me em seus braços. A camisola logo foi parar o chão, como a roupa dele também, e foi com muita energia que passamos aquela noite juntos, na cama que antes era palco de amor dele e de Rowan. Não me importei com isso, ao contrário. Naquele momento era eu, a jovem Helen, que estava nos braços de Michael, sentindo intimamente o homem bom que ele era. E digo, bom demais!
(...)
Os dias passaram ainda melhores do que antes. Havia completado duas semanas que eu estava morando na casa. Todos os dias, viciada em aquela diversão tão nova que eu havia descoberto, ia para o quarto de Michael, onde repetíamos todos os atos daquele sábado. Eu era uma mulher agora, e Michael havia feito isso.
Rowan não suspeitava de nada, eu acho. Não duvido muito que ela, como uma bruxa, tenha lido nossa mente quando estávamos no almoço, entreolhando-se. Mas nada saiu da minha boca, garanto-lhe.
A desgraça foi cair em minha vida sob forma de um castigo horrível. Eu era, tecnicamente, a amante de meu tutor, algum castigo eu iria receber por isso.
Estávamos-nos na biblioteca. Michael estava me ensinando tudo, de musica clássica e falando sobre a velha Victrola de Julien, quando a campainha tocou. Deixou-me ali por alguns instantes, pedindo que não falasse nada ou emitisse algum som alto. Continuei a contemplar o lugar quando ouvi um barulho de tiro vir da sala. Fiquei quieta, escondida, temendo que o pior houvesse acontecido.
Não sei exatamente o que sucedeu nas horas seguintes, só sei que eu fiquei encolhida na biblioteca, estática. Com a noite, veio a noticia que Michael havia morrido. Soube isso da própria boca de Rowan, que chegou a casa acompanhada por Oberon – e como ele era alto! -. Xinguei-a de tudo que eram nomes horríveis. Odiava-a, naquele momento.
Michael era a única pessoa em quem tive real confiança naquela família. Eu estava arrasada, sentia como se nunca mais fosse voltar a ser Helen de antes.
Rowan levou-me ao Centro Médico depois do enterro de Michael. Comecei a ficar ali, com ela, tentando esquecer tudo que havia acontecido. Conversava muito com Oberon e Miravelle, e tentava, a qualquer custo, evitar os olhares sombrios de Rowan.
Foi assim que senti o enorme fardo de ser uma Mayfair. Eu sei que as pessoas morrem, mas ninguém soube exatamente o motivo do atentado contra Michael. Eu me sentia culpada, só que não sabia por que. Era castigo por ter seduzido o marido de minha parenta? Não, eu não conseguia acreditar nisso. E preferia não pensar mais naquilo. Não mais do que tanto já pensei.
Já passou algum tempo depois de tudo isso que acabei de narrar. Consegui uma relação amigável com Rowan e os Mayfair, e estou mais familiarizada com meus dons e as condições de vida que estou levando. Tudo por ser uma Mayfair.
Pode passar o tempo, posso encarar muitas coisas nessa minha vida de perigos, mas nunca vou esquecer de Michael, que onde quer que esteja, tem meu fiel apresso e carinho. Eu nunca me esquecerei dele...
Ah, creio que terei que terminar esse pequeno trecho de minha historia. Está na hora do jantar, e Rowan já está ficando impaciente. E com a fome que estou, é capaz de que eu coma um boi! Sem brincadeira. Enfim, até outro dia em que eu resolva sentar novamente nesse chão frio do Centro Médico com um caderno e um lápis na mão.]